Leia
o artigo: Barroco
O Barroco
em Portugal desenvolveu-se do fim do século XVI (1580, Domínio Espanhol) até a
primeira metade do século XVIII (1756, Fundação da Arcádia Lusitana - Início do
Arcadismo). Suas
características mais peculiares firmaram-se, contudo, no século XVII, marcado
pela decadência do país, pela perda da autonomia,
pelo radicalismo, repressão e terror impostos pela Contra-Reforma
Católica e pela reação nacionalista, inaugurada com a Restauração
da autonomia em 1640.
Síntese das
características literárias do Barroco
Dualismo ou bifrontismo
É expressão de um homem
repartido entre forças e princípios rivais: esta vida e a outra vida; o mundo
daqui e o de além; o natural e o sobrenatural. O corpo tenta a alma e quer
queimá-la com a paixão; a alma castiga o corpo pecador, castiga-o com fogo
porque quer purificá-lo e reduzi-lo a cinzas.
Desse espírito dualista
decorrem: na Literatura, a sobrecarga de antíteses,
paradoxos e oxímoros; na Pintura, o jogo de luz
e sombra, de claro
e escuro; na Escultura e na Arquitetura, a
exacerbação dos contrastes alto-relevo e
baixo-relevo, formas côncavas e convexas;
na Música, os esquemas polifônicos geradores do contraponto
e da fuga.
Fusionismo
É uma espécie de alquimia
dos contrários, visa a transformar toda diferença em oposição, toda oposição
em simetria e toda simetria em identidade. O diferente torna-se idêntico, o
outro torna-se o mesmo, como a imagem refletida no espelho, que contém em si o
idêntico e o diferente, a igualdade invertida.
Pessimismo - dúvida e
incerteza
Vivendo na órbita do medo
e da dúvida, a arte barroca expressa uma visão desencantada do homem e do
mundo. Retoma-se a concepção bíblica de que o homem é pó e ao pó reverterá.
Como antes, na Idade Média, e depois, no Romantismo, a morte
é uma preocupação constante, ao lado da dolorosa consciência da fugacidade
do tempo e da incerteza da vida.
Feísmo
Rompendo o equilíbrio
clássico, opondo-se à harmonia, sobriedade, simetria, clareza e elegância dos
clássicos, o Barroco tem acentuada predileção pelos aspectos cruéis, dolorosos
e sangrentos, pelo locus horrendus,
substituindo o locus amoenus. Há
uma atração pelo "belo horrendo",
pelo espetáculo trágico, deformando as imagens pelo exagero. Nessa direção, a
intensidade, a violência e o impulso pessoal afastam o Barroco da disciplina
clássica, impondo uma expressão tumultuada e turbulenta, próxima do Romantismo.
O sublime e o grotesco, o idealismo puro e o erotismo escatológico são ainda
formas extremas dessa concepção do homem como "santo pecador", como
"anjo demoníaco".
Religiosidade
Época de violentos
conflitos espirituais, a religiosidade barroca é tensa, exacerbada e
conflituosa. O misticismo, fanatizado pela atuação vigorosa da Igreja Católica
Contra-Reformista, impõe a visão do homem como pecador imundo, que só se
redime pela renúncia aos prazeres mundanos, pela fé, pela penitência e, no
limite, pela auto-flagelação. Mas essa herança medieval, teocêntrica, esbarra
no legado renascentista, racionalísta e antropocêntrico. Assim, o homem barroco
tende a racionalizar a fé, a se valer de argumentos racionais na busca da
salvação, manipulando, por meio dos recursos da lógica, os dogmas religiosos
e as metáforas bíblicas na busca do perdão divino.
Particularismo
Ao contrário da arte
clássica, que é universal em projeções e uniforme nos traços, a arte barroca
tende ao particularismo, à valorização das coordenadas locais. Grosso modo, há
duas grandes linhas no Barroco:
a que deriva do
catolicismo contra-reformista e reflete a exacerbação do terror religioso (Santa Inquisição)
e político (Absolutismo),
chamada Barroco das Cortes Católicas, ou
Ibérico-Jesuítico, prevalecente na Espanha, em Portugal
(incluindo suas colônias) e na Itália; e
a que reflete o triunfo do
protestantismo reformista e a emergência de uma burguesia capitalista forte e
articulada, como ocorreu na Holanda e na Inglaterra — o chamado Barroco
das Cortes Protestantes.
Nessas duas linhas estão
contidas inúmeras denominações locais que a literatura seiscentista foi
tomando: Marinismo (na Itália), Preciosismo
(na França), Eufuísmo (na
Inglaterra), Silesianismo (na Alemanha),
Culteranismo, Gongorismo, Conceptismo e Quevedismo
(na Espanha e em Portugal).
Atitude lúdica
Frequentemente os textos
barrocos parecem pobres de conteúdo, vazios de mensagem, como se o artista, sem
grandes certezas, estivesse mais preocupado em exibir suas habilidades verbais,
surpreendendo o leitor pelo virtuosismo, pela engenhosidade, pelas associações
inesperadas, pela construção de uma linguagem labiríntica, sobrecarregada de
sutilezas, trocadilhos, construções arrevesadas e imagens insólitas. O artista
barroco não diz, sugere por meio de imagens. Sangue
é o "rubi do corpo"; leque é o "zéfiro manual"; dentes
podem ser "os marfins", "as pérolas" ou as "mobílias
da boca"; lágrima é "o cristal dos olhos".
Abusando das figuras
semânticas, sintáticas e sonoras, o estilo barroco é muitas vezes
"pesado", hermético, estéril, artificial, rebuscado, frívolo,
afetado. Por isso, uma parte da crítica o via como "arte
do mau gosto", "classicismo degenerado", fazendo
eco à própria denominação do estilo: barroco parece ter se originado do nome
de uma região indiana que produzia em abundância um tipo especial de pérola, de
superfície áspera, irregular, que apresentava "manchas" escuras. Essa
região da índia, que os comerciantes chamavam Barróquia,
teria originado barrueco (espanhol) e barroco (português), termo que passou a
designar não só uma "pérola irregular", "defeituosa",
"rara", "insólita", como um estilo artístico que, visto da
tradição clássica da perfeição e equilíbrio, era um estilo
"irregular", "defeituoso", "de estranho mau
gosto".
Essa atitude lúdica (ludo
= jogo) foi muito cultivada nas academias literárias da época, que abrigavam a
elite letrada do século XVII. Nessas academias cultivavam-se: a frivolidade, o
malabarismo verbal, a bajulação dos poderosos e a exibição da habilidade na
manipulação de palavras e conceitos. Os acadêmicos dessa época notabilizaram-se
como construtores de acrósticos, eméritos bajuladores e glosadores de motes,
como: "Amor com amor se paga e Amor com amor se apaga",
"A uma dama que não sorria para mostrar a falta que tinha de um dente",
"os desmaios de uma dama", "o bolo podre e a conseqüente
disenteria". Pouco se aproveita dessa produção acadêmica.
Cultismo ou Gongorismo
É o aspecto do Barroco
voltado para o jogo de palavras e imagens, para o rebuscamento da forma, para
a ornamentação exagerada, para o preciosismo vocabular, para a erudição
minuciosa, enfim, para surpreender o leitor com a espantosa habilidade verbal
do autor. Retrata a realidade de maneira indireta, realçando mais a forma de
representar que o representado.
É a vertente do Barroco
que procura envolver o leitor pelos estímulos sensoriais, descrevendo o mundo
por meio de sensações, especialmente as de cor e som, num estado de
"delírio cromático". Esse processo de identificação (ilusória,
sensorial, não-racional) apóia-se em metáforas, trocadilhos, paronomásias,
perífrases ou circunlóquios, antíteses violentas, hipérboles, sinestesias,
prosopopéias e gradações. Além desses
processos semânticos, o autor barroco prefere inverter a ordem direta da frase,
imitando a sintaxe latina. Daí a frequência dos hipérbatos.
Vale-se ainda, no plano sintático, de omissões (elipses e
zeugmas) e de repetições (anáforas,
epístrofes, anadiploses e quiasmos). No plano
sonoro, o Barroco não economiza aliterações, assonâncias, ecos e
coliterações. Não cabe aqui estudarmos todos
esses recursos da linguagem cultista ou gongórica, o que faremos à medida que
forem aparecendo nos textos que selecionamos.
Conceptismo ou Quevedismo
E o aspecto do Barroco
voltado para o jogo de idéias, para a argumentação sutil que visa a convencer
pelo raciocínio. Configura uma atitude mais intelectual, destinada a
reconhecer e conceituar os objetos. Enquanto o cultismo procura descrever,
apreender o como dos objetos, por meio da captação de seus aspectos sensoriais
(contorno, forma, cor, volume), o conceptismo pesquisa a
essência dos objetos, quer saber o que são, buscando apreender a face oculta
das coisas, apenas acessível ao pensamento, ou seja, aos conceitos. Evitando a
aparência brilhante do cultismo, o conceptismo economiza palavras e imagens e
opera os mecanismos da Lógica (silogismos, sofismas, paradoxos etc), postos a
serviço principalmente da religião. Daí sua maior presença na oratória sacra
(Pe. Vieira, Pe. Manuel Bernardes) e na poesia religiosa (Gregório de Matos).
Apesar de distintos,
cultismo e conceptismo são faces de uma mesma moeda chamada Barroco. Como
observa Dámaso Alonso:
essa paixão barroca, poderíamos dizer
que o Gongorismo a expressa como uma labareda para fora e o Conceptismo como
uma reconcentração para dentro.
Baltazar Gracián, autor de Agudeza y
Arte de Engenio e grande teórico do conceptismo espanhol, definia assim as
sutilezas do raciocínio conceptista:
Sem mentir, não dizer todas as
verdades; não há coisa que requeira mais esperteza que a verdade, que é um sangrar
do coração; tanto é importante sabê-la dizer como sabê-la calar (...) nem todas
as verdades se podem dizer; umas porque importam a mim; outras porque importam
ao outro.
É possível encontrar no
mesmo texto barroco elementos cultistas e conceptistas. Na prática, nem sempre
as fronteiras entre ambos é nítida, daí a grande confusão que alguns manuais
escolares trazem na caracterização dessas duas vertentes: ou, de forma
simplista, identificam cultismo apenas na poesia e conceptismo apenas na
prosa, ou classificam erroneamente os textos que usam como exemplos. É notório
que, quando se joga com idéias (conceptismo), em alguma medida é necessário
jogar também com as palavras (cultismo), que expressam essas ideias. Da mesma
forma, quando se joga com as palavras (cultismo), em alguma medida se joga
também com as ideias (conceptismo) que articulam as imagens em torno de um
sentido. Temos aí mais um aspecto do dualismo barroco, que
quer, ao mesmo tempo, descrever o mundo pelos sentidos e compreendê-lo por
meio da razão.
Refletindo a influência
dos modelos espanhóis, o cultismo em Portugal
e, por extensão, no Brasil, denomina-se Gongorismo, palavra
derivada de Luís de Góngora y Argote (1561-1627), nome
do maior poeta barroco espanhol. Da mesma forma, o conceptismo
é também conhecido por Quevedismo, em alusão
ao poeta Francisco Quevedo y Villegas (1580-1645),
cuja produção lírica, sacra e satírica influenciou fortemente, entre outros, o
nosso Gregório de Matos.
Questões:
01.
(UNIV. CAXIAS DO SUL) Escolha a alternativa que completa de forma correta a
frase abaixo:
A linguagem ______, o paradoxo, ________ e o registro das impressões sensoriais
são recursos lingüísticos presentes na poesia ________.
a) simples; a antítese; parnasiana.
b) rebuscada; a antítese; barroca.
c) objetiva; a metáfora; simbolista.
d) subjetiva; o verso livre; romântica.
e) detalhada; o subjetivismo; simbolista.
02. (MACKENZIE-SP) Assinale a alternativa incorreta:
a) Na obra de José de Anchieta, encontram-se poesias que seguem a tradição
medieval e textos para teatro com clara intenção catequista.
b) A literatura informativa do Quinhentismo brasileiro empenha-se em fazer um
levantamento da terra, daí ser predominantemente descritiva.
c) A literatura seiscentista reflete um dualismo:o ser humano dividido entre a
matéria e o espírito, o pecado e o perdão.
d) O Barroco apresenta estados de alma expressos através de antíteses,
paradoxos, interrogações.
e) O conceptismo caracteriza-se pela linguagem rebuscada, culta, extravagante,
enquanto o cultismo é marcado pelo jogo de idéias, seguindo um raciocínio
lógico, racionalista.
03. Com referência ao Barroco, todas as alternativas são corretas, exceto:
a) O Barroco estabelece contradições entre espírito e carne, alma e corpo,
morte e vida.
b) O homem centra suas preocupações em seu próprio ser, tendo em mira seu
aprimoramento, com base na cultura greco-latina.
c) O Barroco apresenta, como característica marcante, o espírito de tensão,
conflito entre tendências opostas: de um lado, o teocentrismo medieval e, de
outro, o antropocentrismo renascentista.
d) A arte barroca é vinculada à Contra-Reforma.
e) O barroco caracteriza-se pela sintaxe obscura, uso de hipérbole e de
metáforas.
04. (VUNESP)
Ardor em firme coração nascido;
pranto por belos olhos derramado;
incêndio em mares de água disfarçado;
rio de neve em fogo convertido:
tu, que em um peito abrasas escondido;
tu, que em um rosto corres desatado;
quando fogo, em cristais aprisionado;
quando crista, em chamas derretido.
Se és fogo, como passas brandamente,
se és fogo, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois para temperar a tirania,
como quis que aqui fosse a neve ardente,
permitiu parecesse a chama fria.
O texto pertencente a Gregório de Matos e apresenta todas seguintes
características:
a) Trocadilhos, predomínio de metonímias e de símiles, a dualidade temática da
sensualidade e do refreamento, antíteses claras dispostas em ordem direta.
b) Sintaxe segundo a ordem lógica do Classicismo, a qual o autor buscava
imitar, predomínio das metáforas e das antíteses, temática da fugacidade do
tempo e da vida.
c) Dualidade temática da sensualidade e do refreamento, construção sintática
por simétrica por simetrias sucessivas, predomínio figurativo das metáforas e
pares antitéticos que tendem para o paradoxo.
d) Temática naturalista, assimetria total de construção, ordem direta
predominando sobre a ordem inversa, imagens que prenunciam o Romantismo.
e) Verificação clássica, temática neoclássica, sintaxe preciosista evidente no
uso das síntese, dos anacolutos e das alegorias, construção assimétrica.
05. A respeito de Gregório de Matos, assinale a alternativa, incorreta:
a) Alguns de seus sonetos sacros e líricos transpõem, com brilho, esquemas de
Gôngora e de Quevedo.
b) Alma maligna, caráter rancoroso,relaxado por temperamento e costumes, verte
fel em todas as suas sátiras.
c) Na poesia sacra, o homem não busca o perdão de Deus; não existe o sentimento
de culpa, ignorando-se a busca do perdão divino.
d) As suas farpas dirigiam-se de preferência contra os fidalgos caramurus.
e) A melhor produção literária do autor é constituída de poesias líricas, em
que desenvolve temas constantes da estática barroca, como a transitoriedade da
vida e das coisas.
Texto para as questões 06 a 08
À INSTABILIDADE DAS COUSAS DO MUNDO
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em continuas tristezas a alegrias,
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto, da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria, sinta-se triste.
Começa o Mundo enfim pela ignorância
A firmeza somente na inconstância.
06. No texto predominaram as imagens:
a) olfativas; b)
gustativas; c)
auditivas; d) táteis; e) visuais.
07. A idéia central do texto é:
a) a duração efêmera de todas as realidades do mundo;
b) a grandeza de Deus e a pequenez humana;
c) os contrastes da vida;
d) a falsidade das aparências;
e) a duração prolongada do sofrimento.
08. Qual é o elemento barroco mais característico da 1ª estrofe?
a) disposição antitética da frase;
b) cultismo;
c) estrutura bimembre;
d) concepção teocênctrica;
e) estrutura correlativa, disseminativa e recoletiva.
09. (SANTA CASA) A preocupação com a brevidade da vida induz o poeta barroco a
assumir uma atitude que:
a) descrê da misericórdia divina e contesta os valores da religião;
b) desiste de lutar contra o tempo, menosprezando a mocidade e a beleza;
c) se deixa subjugar pelo desânimo e pela apatia dos céticos;
d) se revolta contra os insondáveis desígnios de Deus;
e) quer gozar ao máximo seus dias, enquanto a mocidade dura.
10. (UEL) Identifique a afirmação que se refere a Gregório de Matos:
a) No seu esforço da criação a comédia brasileira, realiza um trabalho de
crítica que encontra seguidores no Romantismo e mesmo no restante do século
XIX.
b) Sua obra é uma síntese singular entre o passado e o presente: ainda tem os
torneios verbais do Quinhentismo português, mas combina-os com a paixão das
imagens pré-românticas.
c) Dos poetas arcádicos eminentes, foi sem dúvida o mais liberal, o que mais
claramente manifestou as idéias da ilustração francesa.
d) Teve grande capacidade em fixar num lampejo os vícios, os ridículos, os
desmandos do poder local, valendo-se para isso do engenho artificioso que
caracteriza o estilo da época.
e) Sua famosa sátira à autoridade portuguesa na Minas do chamado ciclo do ouro
é prova de que seus talento não se restringia ao lirismo amoroso.